Vagando pelos corredores alvos,
Helena, se apressava para voltar ao seu posto, acostumada com a serenidade
daquelas paredes, nunca se perdera naquele imenso labirinto. Neste silencioso
lugar divagava, queria entender o porquê da vida, toda essa calmaria era
algumas vezes era interrompida pelo barulho de alguma sirene gritando, o que
dava um tom macabro ao lugar. Sempre assim, tudo parava ali, sangue, suor, dor,
medo, morte e lagrima. A viatura ao abrir a porta, era uma loucura. Lutando
todos contra o tempo, cada detalhe era importante, alguém poderia deixar de
viver. Pernas, braços, fígado, rins, tudo era checado.
Seu passatempo era estudar
biologia. Pesquisava tudo de mitocôndrias, respiração, digestão, reprodução
celular amava ver a vida desabrochando. Quando alguém lhe perguntava, sempre
enchia a boca de água como se estivesse degustando um prato especial, que era
preparado para ser saboreado com muita paciência, onde cada detalhe o
cozinheiro não deixava passar, ficando em frente ao fogão adiciona os temperos
para adequar o sabor, à cada pessoa que fosse degustar o prato. Deliciava-se,
não poupando detalhes, não encobria novas descobertas. Apaixonada pela matéria,
lutava para entrar em uma universidade e não conseguiu.
Os anos de dedicação foram em vão,
seus esforços foram inúteis, frustrada, desanimada, desajeitada, não se animava
com nada, tudo continuava distinto. Não olhava as paredes diretamente, para não
se comparar, tudo era monocromático, nada quebrava o cotidiano continuamente
sem sal e sem açúcar. Tinha a turma dos de branco, os médicos, que bem sabia
não poderia mais fazer parte, quando quis não pode e nem teve coragem para
lutar por uma vaga, tinha a turma dos de verde, os recursos humanos, havia
passado por lá quando fazia parte dos arquivos.
Outro pessoal em que tentou entrar
foi a da enfermagem, vestia marrom, nesta turma muitas vezes durante o almoço
podia sonhar, via tudo o que aprendeu nas lentes do microscópio, esta lente
mágica a levava, para outros mundos, lugares, vendo simplesmente a célula em
seu ciclo: nascer, crescer, multiplicar e morrerem num eterno retorno, sendo
conhecida do laboratório, nos momentos livres, ficava lá fantasiando ser uma
grande geneticista.
No saguão se reuniam as pessoas
coloridas, quando passava por aquele corredor fugia, lá sempre havia muitas
necessidades, e queria resolver sempre tudo, mas não podia e Helena se
deprimia. Lembrava de seu pai, seu avô de todos os seus parentes que passou na
recepção e não voltou para casa. Recebendo uma promoção, recusou não quis fica
na ala colorida, o lugar a aborrecia, pessoas na aparência sempre mostram
aquilo que não são, num grande palco, todos interpretam seus papeis bem
decorados, numa hipocrisia sem fim. Na realidade todos se coloriam disfarçando
a tonalidade chumbo que possuíam e contaminavam o ambiente, deixando tudo
num cinza doença evoluindo muitas das vezes para o preto lagrima, não cuidavam
de suas almas, passavam retas, frias e vazias ao seu ver. A dor dali a invadia,
não deixava de se envolver, mesmo sabendo o que eram não queria ver ninguém
sofrendo como ela.
O diretor de recursos humanos não
entendeu, ninguém compreendeu os motivos dela, ela e somente ela sabia o porquê
não queria parar ali. Pessoas coloridas eram crianças chorando, homens gemendo,
adolescentes em gestação e mulheres sempre e sempre berrando, por acreditarem
que os atendentes não são humanos como elas, com problemas e
defeitos, soltam todo o seu ressentimento, indignação e revolta contra o
sistema, o governo e seja lá o que for tudo para conseguirem o que
querem mesmo a custo da dor do outro.
Os membros altivos dali, os piores,
eram os engravatados, não tinham cor, agiam como se nunca precisassem de
ninguém, nem dos de branco. Sempre em dupla eram os donos do hospital, mandavam
e ninguém questionar suas ordens. Pouco tempo passavam por aqueles corredores e
ao passarem ainda que bem vestidos, sapatos polidos, calças com quina, camisas
engomadas deixam sempre más impressões. Os corredores brancos mudavam, seus
potentes aparelhos eram usados para registrar cada pormenor, em fleches
contínuos não perdiam tempo. As averiguações entravam no orçamento e os
consertos, ampliações, novas aquisições, contratação e mais colaboradores eram
de continuo prometidos, contudo nunca realizados. Todos deveriam contribuir,
mesmo faltando recursos e equipamentos deveriam prestar um bom atendimento para
conquistar mais e mais clientes e pacientes. De quando em quando a turma dos de
amarelo, os técnicos, os chamava para liberar dinheiro para a manutenção de
alguma máquina de diagnóstico, e a solução era a mesma, alguém ia ficar laranja
de lamentação, pois além de não ter o que pediam ficavam desempregados.
Helena desencantada, não parava de
ouvir a voz de sua mãe, que não cansava de insistir com ela não negligenciar as
oportunidades que a vida lhe oferecia.
Sonhava uma vida lado de Mariano,
seu noivo e sabia que o custo de uma faculdade era alto demais, não queria
tomar tal decisão, pois ela estaria longe do sonho de se casar fazendo uma
grande festa. Sabia que o tempo não esperava, colocou sua vontade na frente e
nunca contabilizou ficar assim, se omitiu, abandonou, se deixou levar vendo
onde iria parar, mas nunca parou realmente de sonhar. Casou, endividou,
renunciou e desprezou o que a vida lhe oferecia, não ousaria sair de sua zona
de conforto, os anos se passaram com eles a oportunidade, este vácuo a
acompanhava, deixando-a cada vez mais e mais desmotivada.
Os corredores daquele local a
oprimiam mais e mais, sua monotonia não era tratada. Seu trabalho se tornou uma
referência por acidente, numa reunião se opondo aos donos do lugar, os
criticou, por tratar o hospital como se fosse uma indústria, mesmo destoado,
ali estavam pessoas cuidando de pessoas.
No dia após o incidente, seu patrão
com os papeis de sua demissão nas mãos sofreu um grave acidente e foi parar
ali. Necessitando do tratamento por eles defendido, como numa linha de produção
foi levado primeiramente ao chuveiro gelado por economia, molhado, sangrando,
mediram sua pressão, não corria risco de vida, gemendo, esperava sentado numa
cadeira ser bem atendido, pois era o dono do lugar. Verificando seu cadastro,
suas mensalidades estavam em atraso, ficou então em outra fila, a do SUS, não
tinha médico, parou em outro corredor, suava, esperava uma ambulância para levá-lo
ao posto de saúde perto de seu bairro. Sentindo dores por causa dos ferimentos,
com lágrimas clamou, gritou, berrou, falou mal, pediu para tomarem conta dele,
pois com certeza pagaria tudo depois. Nada adiantou, até que pelo corredor
entrou Rita, sua mulher, de posse do talão de cheques, assinou um e entregou ao
diretor financeiro, que foi na contabilidade, verificou seu nome, depositou,
sendo compensado passaram a tratar dos ferimentos do patrão. Neste dia seu
mundo mudou e com ele o hospital. Foi selecionada para estudar, numa faculdade
paga pelo hospital, tanto ela como Bianca, sua filha.

Pensou em voltar atrás, mas entrou ali para aprender, queira mudar de profissão, seu salário duplicou, seu horário mudou, mas escolheu licenciatura em matemática.
Tantos anos sem emoção, agora
cercada de novos problemas, trabalhando todos os dias sem folga, não
compreendia a lógica da matéria, nada entrava em sua mente, estava acostumada
num mundo sem cores, queria poder ser daltônica e ver o mundo em apenas uma
cor. Os amigos a elogiaram pela atitude, o marido quase a abandonou, seu patrão
a encorajou, sua mãe a criticou era muito tarde.
Desperdiçou o tempo, e agora
precisava dele, para tantas coisas, para a profissão, revisão da matéria, a
família, os amigos, o marido, o estágio, para ir e vir, para dominar e acabou
sendo dominada, ficou presa à tradição, não parou, precisava de ajuda e ninguém
a ajudou. Todos a cobravam, sabia de sua responsabilidade seu mundo agora
colorido, suas cores começaram a se misturar, perdeu o controle adoeceu, perdeu
a coloração e entrou na ala dos anormais, ninguém percebeu que estava
monocromática, de cinza doença, passou rapidamente para o vermelho depressão.
Mal falava, não comia, sua vida
estava focada nos estudos, ainda assim, o que a mais perturbava era a
inconstância da sua filha Bianca que estudava em outra sala, com vinte e dois
anos, não compreendia bem, não gostava de estudar desde a infância, não parava
com nenhum namorado e escolheu ser enfermeira, não podia nem ver sangue.
Tentou muda-la de curso, sentou
diversas vezes com o marido, que não entendia do assunto, ele sempre dava um
jeito de contornar a situação. Ele dizia que Helena estava ficando uma chata,
estava passando da hora de retornar para o seu lado. Bianca era nova, iria
conseguir superar todas as dificuldades. Ela iria ver vídeos que comprariam e
também através da internet, tudo era possível. Acostumada com a vida noturna,
não se dedicava como sua mãe aos estudos, mesmo sabendo quem pagava a
faculdade. Saía, voltando na segunda-feira direto pra faculdade. Bebendo,
festejando, sempre arrumava alguém para pagar o motel, não conseguia dormir
sozinha. Não percebeu a oportunidade que recebeu!
Não sabia nada de biologia, estava
ali só por causa do tempo em que ficaria junto do novo namorado, que era perito
em computação, um verdadeiro pirata cibernético. Eles mantinham seus vícios e
manias com pequenos delitos praticados em redes bancárias, quebrando senhas e
criptografias.
Helena já cansada de tudo isto, saiu
de férias com a família rumo ao litoral. Numa das curvas, o marido perdeu o
controle do carro que veio a capotar, com o impacto, todos desmaiaram, menos
Bianca que ao ver seus familiares sangrando, começou a gritar, perdendo
os sentidos.
Três horas após o acidente sua mãe
falecia por falta de primeiros socorros e seu pai paraplégico.
Bianca agora sentada na sala de aula não conseguia parar de chorar, lembrando de quantas vezes Helena, sua mãe, pedia para se dedicar aos estudos, pois um dia poderia salvar alguém e quando precisou não salvou.
Bianca agora sentada na sala de aula não conseguia parar de chorar, lembrando de quantas vezes Helena, sua mãe, pedia para se dedicar aos estudos, pois um dia poderia salvar alguém e quando precisou não salvou.
Marcelo Bento Santana
Turma de Letras - Manhã
imagens:http://www.campoverdenews.net.br/espaco-cultural/plano-nacional-de-educacao-segue-para-o-senado/
http://fotos.noticias.bol.uol.com.br/esporte/2013/04/15/explosao-deixa-feridos-na-maratona-de-boston.htm
http://moisesbehnocomentarista.blogspot.com.br/2011_03_24_archive.html
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